19 de fevereiro de 2008

Regresso ao local do "crime"...

Gelsenkirchen. A evocação do nome provoca uma enorme onda de saudosismo e reminiscências a qualquer portista que se preze. Daqui a uma semana voltamos lá.


A cidade alemã, de nome quase impronunciável, entrou no léxico português numa tarde primaveril de Maio. Estava-se em 2004. Lá, no mundo teutónico, a final mais apetecida, aquela que celebra a melhor equipa da Europa, iria ter um sabor especial.E eu, como tantos outros, embarquei nesse sonho. Na bagagem, um mundo cheio de esperança, uma fé inabalável, uma crença indestrutível, fruto de uma relação de dois anos com uma equipa que conjugava, de todas as formas, o verbo VENCER. Nós sabíamos ao que íamos. Ao encontro da história, à coroação de uma geração inesquecível, que transportou a flâmula azul e branca pelo velho continente, mostrando orgulhosamente a sua qualidade.

Naquela tarde/noite alemã, com as luzes tremeluzentes do Estádio conferindo uma aura de magia a toda a envolvência, sentei-me, desfrutando da visão dos últimos preparativos. Os adeptos entrando, uns exibindo uma confiança enorme, outros com o nervosismo espelhado na face. Os risos nervosos, as conversas que fluíam, os abraços entre amigos, numa cacofonia de sons única, própria das grandes noites. Dei por mim com os pensamentos dispersos, lembrando-me da promessa que fizera, 17 anos antes…

27 de Maio de 1987. Na TV, os guerreiros de azul lutavam contra o colosso bávaro, lá longe, em Viena. Eu acompanhava, com o estômago tolhido de nervos, com a boca seca, sentindo o coração a pulsar acima do ritmo, as incidências da partida. Sentia que o Porto, o clube amado, estava no limiar de uma nova era. Apenas um pedaço pequenino nos separava da glória eterna. E chorei. Não me envergonho de o dizer. Chorei descontroladamente. Naquele instante em que o futebol me demonstrou quão belo e cruel pode ser ao mesmo tempo. Futre serpenteava por entre gigantes, num misto de agilidade e contorcionismo. Parecia fácil, à distância, vê-lo a desbaratar os jogadores do Bayern. E depois, com o grito de golo, tão ansiado, preso na garganta, desejando mais do que nunca ver a bola a aninhar-se nas redes, a mão omnipresente do Destino desviou o couro, lentamente, para fora. Senti-me apunhalado pela tragédia a que assistia. A mais bela jogada da minha vida, imerecidamente cerceada por centímetros. As lágrimas, teimosas, correram livres, numa torrente que não secou quando a reviravolta aconteceu. E ali, naquele exíguo apartamento, os gritos de júbilo atroaram os ares. Uma sensação indescritível apossou-se de mim. Uma alegria transbordante, mágica, que me prostrou de joelhos, agradecendo graças divinas. E eu prometi. “You’ll never walk alone…”

17 anos depois estava a pagar a minha promessa. Teoricamente, tinha-a cumprido, no ano anterior, enfrentando hordas de escoceses vestidos de verde, ébrios e cantando músicas celtas, na canícula sevilhana. Tecnicamente, era ali, na mesma competição, que a solenidade da promessa tinha que ser cumprida. Na mais elitista das provas de clubes. No jogo em que todos desejam estar. E o Porto estava lá. Eu também.

As incidências da partida já todos sabem de cor. Momentos que, relembrados ainda agora, provocam aquele arrepio de emoção. A loucura que se apossou do corpo, com este aos saltos no meio da imensa mole humana, gritando histericamente, quando o remate de Carlos Alberto se anichou nas redes. Impossível definir a sensação de alegria, que ameaçava transbordar de dentro do coração, músculo frágil, batendo descontrolado.E depois, aquele lance, sentido quase como uma premonição. A perda de bola de Morientes, o arranque de Deco, cabeça levantada, bola colada à chuteira, deambulando pelo relvado, aproximando-se da baliza. Os corpos, nas bancadas, soerguendo-se lentamente, prevendo o desfecho, mas tímidos no movimento, como se tivessem medo de desconcentrar o mágico. Já sabem como a história acabou: com a destreza do costume, Deco introduziu a bola na baliza francesa. A apoteose começou ali. E durou uma eternidade.

Gelsenkirchen é isto. Saudade. Glória. Orgulho. E nós vamos lá voltar. Daqui a uma semana. Boa sorte rapazes. Estamos com vocês!


nota: crónica originalmente publicada no blog Bibó Porto, em 14 de Fevereiro, com o título "Memórias desfiadas"...

7 comentários:

Sérgio de Oliveira disse...

Não me levem a mal ...

É que voltei a chorar ...como uma criança !

dragao vila pouca disse...

Inolvidável, mas, que ninguém diga irrepetível.Estas, mais ou menos assim,foram palavras de Mourinho.Eu faço minhas as palavras dele.Este vídeo serviu para também para recordar a figura de Jorge Perestrelo.Não era portista, mas era sério e isento.
Abraços

Bruno Pinto disse...

Paulo, mais uma vez, texto magnífico.
Para hoje já li umas coisas dando conta da aposta do Jesualdo em João Paulo para lateral-direito, Fucile para lateral-esquerdo e Cech para médio. Bem... espero que isto não se venha a confirmar! Será inacreditável que Jesualdo cometa novamente o mesmo erro, na sequência dos cometidos com o Arsenal, Liverpool, Chelsea ou Sporting. Ele que jogue com o melhor 11, em 4-3-3 e não invente. Caso contrário, as hipóteses de um bom resultado (vitória ou empate com golos) diminuem bastante. Fica aqui registada a minha opinião antes do jogo. O Jesualdo que não invente!!

Paulo Pereira disse...

Bruno,

Já somos dois a ficar apreensivos. E muito. Tb, ogo de manhã, fui surpreendido por essa "inovação" de Jesualdo, com João Paulo como previsível titular. Fiquei arrepiado. E temeroso. Por que raio é k se gosta tanto de inventar, nestas alturas?

Bruno Pinto disse...

O melhor onze na minha opinião será com o Fucile na direita e o Cech na esquerda, mantendo o trio habitual no miolo. Apesar de não gostar do Cech, desconfio ainda mais de João Paulo na lareral direita. Mas, enfim, qualquer destas duas possibilidades são plausíveis, é preciso é não inventar com o eslovaco no meio-campo. Na frente, hoje apostava em Tarik, deixando Farías no banco, como opção. Há que aproveitar os momentos dos jogadores e se Farías fez um excelente mês de Janeiro, também não é menos verdade que Tarik regressou em grande à equipa. Dores de cabeça destas são sempre bem-vindas. Mas hoje era Quaresma-Lisandro-Tarik. Já falta pouco para tirarmos as dúvidas. A ansiedade, aquela dor no estômago já faz efeito. Nunca mais chega esse jogo. Só a Champions me dá esta adrenalina...

Paulo Pereira disse...

Bruno,

Tens novamente toda a razão. Aquela música inicial, o ambiente feérico das bancadas, os grandes jogos. Devia ser sempre assim:)

E hoje e amanhã temos um belo cardápio, com jogatanas em perspectiva...

Anónimo disse...

A entrevista de G.Aguiar ao "CorreioSport" está um espectaculo ( trnscrita no "bi-campeõesdomundo")e merecia mais Divulgação!!!....