15 de junho de 2008

Depois dos foguetes, quem apanhará as canas?

Uma semana de sol e férias faz milagres. Apesar das birras dos petizes, das "pilhas" inesgotáveis deles, com uma energia inacreditável em corpos tão pequenos. Pese isso tudo. Deu para dormir. Para descansar à beira da piscina. Para passar os olhos por livros cuja leitura é sistematicamente adiada. E pelo incontornável Euro...


1 - Começando por aqui. Bem antes do seu início, ainda na fase daquela alegria de pacotilha, que soa a falso, imposta, do patriotismo descartável, um escriba de um jornal diário comentava, com aquela bonomia feita de arrogância e azedume, que o Porto, vigente tricampeão, não tinha nenhum titular na Selecção de todos nós. Como em tudo, a história encarrega-se de castigar, amiúde, os incontinentes verbais. Bastaram 5 minutos a Raul Meireles para a participação tuga no Euro 2008 ter, para sempre, a assinatura azul e branca. Um golo que não foi caso isolado. Jogo seguinte e a sensação de déjà-vu. Quaresma entra e marca. O escriba meteu o rabinho entre as pernas e nunca mais opinou sobre os rapazes provenientes da Invicta.

2 - Com o torpor característico das férias a atacar-me em força, não tenho acompanhado regularmente as incidências televisivas, salvo raras excepções. Holanda, Espanha e Itália. Apenas esses, para já. Deslumbrado com a laranja mecânica, massacrante no seu futebol, humilhando a dupla finalista do último Mundial, salivando por avançados como Torres ou Villa, máquinas perfeitas na arte de jogar, autênticos aríetes às balizas adversárias ou intimamente satisfeito pelos castigos sofridos pelo tradicional catennacio transalpino. Tem sido assim, placidamente, que tenho vivido a grande competição.

3 - Pese a histeria nacional, capaz de caravanas automobilísticas por vencer a Turquia, a equipa das quinas parece-me sólida. E não deixa de ser satisfatório ver alguns milhares a engolirem autênticos sapos vivos, com a xenofobia anti-brasileira a ser esquecida pelos golos de Deco e Pepe. Xenofobia cirurgicamente aplicada, entanda-se, pois apenas era dirigida a brasileiros provenientes...do Dragão. Pepe, imperial, demonstrando que os 30 milhões pagos pelo Real têm razão de ser, e Deco, com exibições portentosas, fazendo recordar outras de azul e branco vestido, são as figuras desta equipa. Mesmo que o circo mediático em redor de Cristiano Ronaldo empalideça o merecido mediatismo. Com um Petr Cech na baliza, um Fábio Grosso no lado esquerdo da defesa e um David Villa na frente de ataque o título seria nosso.

4 - 100 milhões é o preço da defesa lusa. Nostalgia a palavra que caracteriza a minha apreciação. Todos ex-atletas do Porto. Todos com histórias de magia a pincelarem a sua carreira desportiva. Recheada já de troféus, com a etiqueta "made in Estádio do Dragão". Paulo Ferreira [20 milhões], Bosingwa [20 milhões], Pepe [30 milhões] e Ricardo Carvalho [30 milhões]. Esta Selecção até pode nem ter titulares portistas. Mas está recheada de ADN azul e branco.

5 - 6ª feira. Dia 13. Uma esplanada. Uma cerveja fresca. Um jornal entreaberto. Um telemóvel que toca. Do outro lado uma voz, a dar as novidades. "A UEFA anulou a decisão inicial. Volta tudo à 1ª instância". Não deu para soltar gritos de júbilo, é certo, mas sempre permite ver o ridículo dos pobres de espírito, pugnando denodadamente na secretaria por um lugar que não foram capazes de conquistar, dentro de campo. E os sorrisos, que semanas antes decoravam rostos por esse País fora, começaram a empalidecer. E depois dos foguetes, quem apanhará as canas?

2 comentários:

dragao vila pouca disse...

Paulo bem regressado e em forma.
Sexta-feira foi de facto um dia muito importante pois estava muita coisa em jogo.Foi interessante ver a azia daqueles que fizeram ou colaboraram nesta campanha miserável.
Mas olha que houve portistas a darem autênticas cambalhotas.
Um abraço

Anónimo disse...

Contrabando de provas

“O processo disciplinar que utilize escutas está envenenado e contaminado e, por isso, viciado.”


A lei processual penal tem regras rígidas quanto à produção, utilização e valoração da prova, não obstante o princípio da livre apreciação da prova que concede ao julgador larga margem de manobra na apreciação das provas. Pela importância que a prova assume na verificação ou não do crime, na punibilidade ou não do arguido e na determinação da pena ou medida de segurança, ou seja na busca da verdade material, não pode reinar uma lógica de vale-tudo. E não pode porque estamos a lidar com direitos fundamentais, com protecção constitucional que veda em absoluto o contrabando de provas.

Vem isto a propósito da utilização, num processo disciplinar, de meios de obtenção de prova, no caso escutas telefónicas, ordenadas no processo-crime. À luz da lei, tal utilização não pode ser feita. Os métodos proibidos de prova incluem os meios de prova e os meios de obtenção de prova. Logo, é proibida, quer pela Constituição quer pela lei processual penal, a utilização de escutas telefónicas fora do processo-crime. E não é por uma questão de lógica, como diz Vital Moreira, que defende, de forma bizarra para um constitucionalista, esta utilização. É para defesa do Estado de Direito e do direito à intimidade que só pode ser restringido no processo penal e não em qualquer processo de importância menor, como é o caso do processo disciplinar na jurisdição desportiva. Mesmo no processo penal, esta prova só é aceite como excepção para crimes de gravidade mais robusta e com certa especificidade.

A certeza jurídica, a verdade material que se pretende obter com a produção de prova nunca é absoluta, o que significa que a proibição de utilização de certa prova funciona como um limite a essa descoberta. Ainda bem que é assim. É um sistema equilibrado assente numa exigência de superioridade ética do Estado que, sob a égide de um justiça penal eficaz, não esquece os direitos fundamentais, não esquece 40 anos de atropelos, que valem, como diz Costa Andrade, como direitos de defesa e proibições de intromissão ou agressão por parte dos poderes públicos. Agir de acordo com as regras preestabelecidas e no respeito pelas garantias de defesa do acusado é o caminho a seguir. De acordo com a teoria penal da ‘árvore envenenada’, o processo disciplinar que utilize – e, pior, valorize – as escutas telefónicas está envenenado e contaminado e, por isso, viciado.

Rui Rangel, Juiz desembargador


In CM