12 de março de 2008

O Zé do Boné


Estava eu, num belo dia, sentado no sofá, a matutar - ou deverei dizer, a desesperar? - sobre o próximo artigo para o blog quando, vinda sabe-se lá de onde, ela surgiu, luminosa: a Ideia!

E se... (não é assim que todas começam?) fizesse uma série de artigos sobre glórias do passado, figuras míticas e incontornáveis na história do nosso clube? Nem olhei para trás. Estava desesperado por novas ideias e, qual náufrago no meio da tempestada, aproveitei a "salvação" surgida. O problema que se punha, já para não falar de onde conseguir arranjar informação, era a quantidade. Sim, porque isto de ser um clube secular, com uma história rica em títulos, pode ser muito bonito, mas dificulta imenso o trabalho do pobre escriba, tantos são os nomes que merecem perdurar na memória colectiva.

Deixando-me de lamentações, o trabalho está feito, parcialmente é certo, mas desbravando os escombros do passado, trazendo para a luz da actualidade rostos, nomes e acontecimentos que merecem ser perpetuados. Se, na imensa panóplia de nomes, a escolha de um ou outro encerra motivos subjectivos, existe um que me parece ser de todo consensual. Confesso que senti um friozinho na barriga quando decidi escrever sobre ele, esse nome que ainda hoje é proferido, com um fervor religioso, pelo meu pai. Todos já terão, por certo, ouvido falar no "Zé do Boné"...

José Maria Pedroto, o homem que nos fez ultrapassar o nosso Adamastor, a Ponte D. Luís. Aquela fronteira cruzada, de forma inexplicável, com o espectro da derrota a abater-se sobre a equipa. O grande problema era por onde começar...

Pedroto não é Mourinho. O special one foi um meteoro, poderoso, que se cruzou nos nossos céus. Abanou mentalidades, deixou marcas profundas no seu impacto mas... pufff... desvaneceu-se, numa noite de Maio, desaparecendo acompanhado pelo seu ar carrancudo e rezingão.

A história de Pedroto não é uma estória. A vida dele cruza-se, variadas vezes, com a do clube, sempre marcante, deixando cicatrizes profundas. Começando pelo fim, pode dizer-se, com toda a propriedade, que Pedroto é o pai deste Porto. Do Porto moderno. Do Porto que vence compulsivamente. Foi ele, personagem polémica [e não é assim, com todas as que se prezam?], mas indomável na defesa das suas causas, que criou um hábito, enraizado até hoje: o de VENCER! O Porto desempoeirado, capaz de assumir a sua grandeza sem qualquer espartilho psicológico, afastando os seus fantasmas, que tolhiam inexplicavelmente os jogadores em alturas decisivas. Com Pedroto, o Porto ganhou nova vida, um novo alento.

Por uma daquelas coincidências do destino [será mesmo coincidência?] Pedroto nasceu na freguesia de Almacave, local onde centenas de anos atrás D. Afonso Henriques realizou as primeiras Cortes para a fundação de Portugal. Simbolicamente, Pedroto nasceu num local que lhe moldou os genes. À Conquistador. Foi em 1960 que Pedroto "aterrou" no banco portista. Como treinador da equipa de juniores. Fadado para a glória, desde cedo fez mossa nos adversários, conquistando um inédito Torneio Internacional de Juniores da UEFA. Começava a carreira do "Mestre", nos bancos...

Académica, Leixões e Varzim beberam a sabedoria de Pedroto, até 1966, com o regresso deste, messiânico, ao banco do seu clube do coração: o FC PORTO! Ganhar era a sua sina. E ele fê-lo. Enumerar aqui, neste espaço, todos os episódios marcantes de Pedroto, seria demasiado fastidioso para o leitor. Deixo dois momentos, quiçá aqueles que me ficaram gravados, a fogo, na minha memória impressionada de menino, quando o meu pai me contava histórias à lareira:

Resgatado ao Boavista, onde treinara exemplarmente os axadrezados, Pedroto voltou ao Porto, dizendo o que lhe ía na alma. "Chegou a altura de estarmos de sobreaviso e verificar que a infelicidade dos árbitros já ultrapassou os limites e que, eventualmente, tenhamos de adoptar medidas de autodefesa, mas que possam definitivamente acabar com o gozo a que vamos estar sujeitos por aqueles que gozam com as grandes penalidades que nos são sonegadas e os golos irregulares que nos são marcados. Trata-se, realmente, de um gozo humilhante e que em defesa da nossa dignidade não poderemos deixar que continue". Como se constata, 3 décadas depois, o mesmo discurso poderia ser aplicado ao futebol português. Visionário, o Zé do Boné sabia bem os escolhos que era necessário ultrapassar, para fazer do Porto campeão.

Este Porto de agora, que ombreia com os colossos europeus, teve também a sua génese no trabalho metódico de Pedroto. Foi ele que, de regresso ao Porto e com Pinto da Costa como presidente, lançou os alicerces para os azuis e brancos de dimensão europeia. Infelizmente, já minado pela doença, não lhe coube orientar, no banco onde se sentia vivo, a equipa de 84, que de forma tenaz e persistente ultrapassou obstáculo atrás de obstáculo, com classe mas também com drama à mistura, até à primeira final europeia da história do Dragão. Prostrado numa cama de hospital, Pedroto viu os seus pupilos cairem de pé, perante o poderio da Juventus e os apitos espúrios de um árbitro da RDA [incrível que mesmo depois de 23 anos, ainda perdure na memória o nome desse palhaço: Adolf Prokop]. Os jogadores não puderam retribuir, com a Taça, todos os ensinamentos do velho mestre, mas aposto que este, mesmo com a vida a esvaír-se, sentiu o mesmo que todos os portistas sentiram, nessa noite: UM ENORME ORGULHO EM SERMOS O QUE SOMOS!

Pedroto morreu numa fria manhã de Janeiro, corria o ano de 1985. Está sepultado no cemitério de Agramonte, no mausoléu do clube que sempre amou.

6 comentários:

Anónimo disse...

Ele e o enorme Pinto da Costa, fizeram o Porto q é hoje, contra ventos e marés, um colosso do desporto nacional!!!
tenho de certeza lá para casa destes cromos...
Amorim

dragao vila pouca disse...

Quando eu andava a estudar à noite no Infante D.Henrique, quando saía das aulas passava sempre na Petúlia para ver se Pedroto estava lá.Quando estava, a minha grande preocupação era arranjar uma mesa perto da dele(era muito difícil) para o ouvir falar de futebol.Era um Catredático, um iluminado, um treinador adiantado no tempo...pena que não tenha vivido o suficiente para ver a obra extraordinária que com J.N.P.da Costa ajudou a erguer.
Tantas histórias poderia contar de Pedroto: desde treinos que assisti e que eram autênticas aulas, o verão quente, o regesso com P.C.,a doença, etc.
É por isso que para mim mestre só há um Pedroto e mais nenhum.
Um abraço

Dragaopentacampeao disse...

Pedroto é sem dúvida uma figura que merece destaque pela sua enorme contribuição na grande viragem, rumo ao sucesso nacional e internacional do nosso Clube.

Juntamente com Pinto da Costa, podemos considerar os pais do nascimento do enorme FC Porto.

Evoca-lo é um acto da mais elementar justiça.

dragao vila pouca disse...

Meus amigos gostaria de chamar a vossa atenção para o blog "renovar o porto" que frequento e que é um espaço onde se defende o F.C.Porto, o norte e se chama a atenção para as discriminações de que somos vítimas.Passem por lá que vale a pena.
Um abraço

Sérgio de Oliveira disse...

O Senhor Pedroto foi , provavelmente durante muitos anos perdurará , como o Mestre dos Mestres.

Parabéns Paulo ,
pelo belo texto.

Anónimo disse...

Para recordar o Mestre e muito mais relacionado com a época visitem www.memoriaazul.blogspot.com