27 de maio de 2007

O dia em que tudo mudou!

Foi o dia da nossa emancipação. Até ali, até aquele dia 27 de Maio de 1987 éramos um clube simpático, que lutava para se impor, numa hegemonia do futebol português até então ainda dominada pelos grandes de Lisboa. As pancadinhas nas costas, os elogios proferidos com um tom paternalista eram, para mim, o pior dos insultos. O Porto era visto com condescendência. Como um parente afastado, tolerado de quando em vez. Até aquele dia. O trajecto começou bem antes. Pensado e delineado por dois homens, umbilicalmente ligados aos sucessos seguintes. Um, Pinto da Costa, ainda hoje se encontra a liderar, e bem, os destinos do clube. O outro, José Maria Pedroto, foi atraiçoado por uma doença, minando a vitalidade e a vida. O sucesso daquele dia foi também dele.


Podia recordar vários momentos chave, que ajudaram à chegada a Viena. A memória, mesmo 20 anos depois, ainda retêm episódios, lances, pequenas peripécias. Escrevo sem “rede” para me amparar. Ao sabor das recordações. Como um teste. Rabat Ajax. Uma obscura equipa de Malta, goleada sem qualquer remorso por 9-0. Lembro-me do Vitkovice, o campeão da Checoslováquia, a única equipa a conseguir derrotar-nos nessa caminhada até ao topo. O 1-0 averbado em terras checas foi rectificado nas Antas, por um concludente 3-0. Os quartos de final com o desconhecido Brondby, onde pontificava um gigante louro na baliza, chamado Peter Schmeichel. Jogo nas Antas, resolvido perto do fim pelo génio de Madjer. 2ª mão sofrida, com Juary a sair do banco e a restabelecer a igualdade a 1, carimbando a passagem para as meias. Pareciam intransponíveis. Dinamo de Kiev, o detentor da Taça das Taças e a base da Selecção russa (na altura, Kiev ainda era russa) que tinha brilhado no Mundial de 86. Jogo épico nas Antas, afastando temores, vencendo por um escasso 2-1. E o sofrimento, durante 15 dias, que nunca mais passavam. E aquele jogo, num estádio repleto e confiante numa fácil vitória contra o Porto. Numas férias da Páscoa. Um início de sonho. Celso a rematar, num livre, a bola a embater na barreira e a ultrapassar a linha de baliza. A primeira explosão de alegria. Era possível ir à final. Sentir novamente as emoções de 1984, contra a Juventus. Gomes, uma das glórias portistas, a fazer, bem ao seu estilo, o 2-0, num canto. Estava feito. Tinham passado apenas 10 minutos de jogo. Pese a reacção russa, o golo que reduziu a desvantagem e alguns (muitos) momentos de aperto, o sonho tinha-se materializado. O Porto estava na Final!!!


27 de Maio de 1987. O dia em que ganhamos consciência de que tudo era possível. Tínhamos entrado, por direito próprio, num patamar restrito, apenas destinado aos melhores. 4ª feira longa, interminável, em que as aulas se sucediam, uma após outra, com a cabeça a recusar qualquer participação voluntária em algo que não o Porto. Divagava, lá longe, em Viena, acompanhando os heróis de então. Finalmente, em casa, a ver o jogo, tolhido de um nervosismo brutal. O golo germânico, que aumentava a soberba teutónica, amplamente difundida antes do jogo. E aquela segunda parte. Nomes desconhecidos no futebol europeu, comandando a seu bel prazer o jogo, empurrando o Bayern para a área. Vagas sucessivas de ataque, esbarrando num intransponível muro alemão, coeso, sólido, parecendo inultrapassável aos meus olhos. A jogada que me fez desesperar, blasfemar contra os infortúnios de futebol. Uma das mais belas de sempre. Futre a fintar meia equipa do Bayern e a bola, caprichosamente, a sair a centímetros do poste. Parecia que os Deuses nada queriam connosco. Parecia, pois do nosso lado existia um argelino ressabiado. Contra a prepotência alemã, que tinha afastado a sua Argélia, no Mundial de 66. Vingou-se, com requintes de malvadez. Frasco a iniciar a jogada, Juary a conseguir, num esforço titânico, centrar a bola e ele, com a baliza à sua mercê, não se limitou a marcar. Não. Marcou, humilhou e entrou para a história, com um dos mais belos golos de que há memória. De calcanhar. O aparentemente intransponível muro germânico tinha sofrido uma brecha. Gritava eu, tomado de uma alegria incontrolável, perante o ar atónito da minha mãe, quando Madjer resolveu que não era suficiente. Hoje, quando se fala de fintas, associa-se o tema a Cristiano Ronaldo. Na altura, arte, invenção e magia eram os nomes do meio de Rabat Madjer. Pela esquerda, um nó cego, um centro primoroso e a bola a pairar, suavemente, direita aos pés de Juary. Ironia das ironias. Um brasileiro de cor, franzino, abatia os gigantes arianos teutões. A história vingava-se também, ajustando contas antigas. Estava feita a reviravolta, perante a estupefacção de milhares no Estádio e milhões nos lares. E eu, que me ria, chorava, gritava, incapaz de suster a torrente de emoções distintas que me assolava. Foram mais de 10 minutos num sofrimento inaudito. Esperando, impaciente, que os comandados de Artur Jorge resistissem ao assédio alemão. E o final. A alegria incontrolável. A vontade de berrar, bem alto, o nome do Porto. Foi o que fiz, noite dentro, comemorando um feito que julgava inatingível. O dia seguinte, após uma noite mal dormida, a corrida até ao quiosque mais próximo, procurando notícias, que de alguma forma me recordassem de que aquilo não era um sonho, mas a realidade. E eles continuam cá em casa, testemunhas silenciosas, de papel amarelecido pelo tempo, de uma jornada inesquecível. O orgulho de no dia seguinte, em pleno Liceu, aparecer de cachecol a pescoço, com as cores da vitória: Azul e Branco!


Tínhamos alcançado o Olimpo!

O percurso até à final:

1ª eliminatória:FC Porto-Rabat Ajax (Malta) 9-0(Gomes 20m, 49m, 69m, 83m, Eloi 25m, Madjer 54m, André 60m, 65m, Celso 80m)

Rabat Ajax-FC Porto 0-1(Sousa 80m)

2ª eliminatória:TJ Vitkovice Ostrava (Checoslováquia)-FC Porto 1-0(Sourek 24m)

FC Porto-TJ Vitkovice Ostrava 3-0(André 5m, Celso 26m, Futre 82m)

1/4 final:FC Porto-Brondby IF (Dinamarca) 1-0(Madjer 71m)

Brondby IF-FC Porto 1-1(Steffenson 36m - Juary 74m)

1/2 final:FC Porto-Dinamo Kiev (União Soviética) 2-1(Futre 48m, André 57m -Yakovenko 74m)

Dinamo Kiev-FC Porto 1-2(Mikhailichenko 13m - Celso 3m, Gomes 11m)

Final da Taça dos Clubes Campeões Europeus 1986-87

F. C. Porto vs Bayern Munique
Data: 27 de Maio de 1987

Local: Estádio Prater (agora Ernst Happel) - Viena (Áustria)

Árbitro: Alexis Ponnet (Bélgica).

FC Porto: Mlynarczyk; João Pinto, Eduardo Luís, Celso e Inácio; Jaime Magalhães, André, Sousa e Quim; Futre e Madjer.

Treinador: Artur Jorge

Substituições: Ao intervalo, Quim por Juary; 65m, Inácio por Frasco.

Suplentes não utilizados: Zé Beto, Festas e Casagrande.

Bayern Munique: Pfaff; Eder, Nachtweih e Pfluegler; Winklhofer, Flick, Matthaeus e Brehme; Koegl, Hoeness e Rummenigge.

Treinador: Udo Lattek.

Substituições: Aos 81m, Flick por Lunde.

Suplentes não utilizados: Aumann, Willmer, Bayerschmidt e Kutschera.

Marcadores: 1-0, Koegl (24m); 1-1, Madjer (77m); 1-2, Juary (79m).

2 comentários:

Anónimo disse...

Foi o nosso dia D. Grande dia, fantástica final, uma equipa maravilhosa. Tinha 12 anos e posso dizer que foi um dos dias mais felizes da minha vida. Somos os maiores.

Bruno Pinto disse...

Bem, nessa altura tinha 5 anos, não vi o jogo, mas lembro-me de ouvir falar muito que o FC Porto era campeão da Europa e lembro-me de ouvir falar em Futre, Madjer, Sousa... Não tenho bem a certeza, mas talvez tenha sido nessa altura que comecei a gostar do clube, a ser realmente portista. O jogo foi fantástico, revi-o há uns dias em DVD com os comentários da altura, que jogo lindo, especialmente aquela segunda parte. O Sousa e o André estiveram esplêndidos no meio-campo a levar a equipa para a frente, o Futre fez 3/4 jogadas de génio, o Mly foi um gigante na baliza, o Juary entrou ao intervalo e foi decisivo, o Madjer nem vale a pena falar... E depois o João Pinto que não largou a taça!! Momentos maravilhosos! É bom ser portista...