20 de novembro de 2008

Provérbios chineses

Detesto as semanas sem polémicas no futebol português. “Porquê?”, perguntarão alguns. “É simples”, responderei eu. Nessas chatas e sensaboronas semanas sem controvérsias, fico praticamente sem assunto.

E assim dou comigo especado em frente do ecrã do computador, olhando sem qualquer inspiração para uma folha de Word em branco. Dando voltas e mais voltas, magicando um assunto digno de registo para cumprir o expectável e escrever uns milhares de caracteres.

Podia falar sobre a melhoria do Porto. Sim, porque é isso que nos anima, neste espaço de tertúlia. Discutir os assuntos da causa azul e branca. Mas mesmo esse tema está gasto, já esmiuçado pelos meus camaradas de escrita, neste mesmo espaço.

Pensei, por momentos, em falar de Paulo Bento. Não propriamente do treinador leonino, mas das suas incendiárias declarações, logo após a eliminação da Taça. Roçando o histerismo, num apelo latente à violência, preconizou a criação de um mau ambiente, em Alvalade, como forma de pressão. Pois bem, existe um ditado chinês que diz que se deve ter cuidado com o que se deseja. Neste momento, esse pensamento não deve largar o responsável pelo futebol verde e branco. Se queria pressão e mau ambiente, teve ambos, em doses bem elevadas, logo após o sensacional Leixões ter silenciado Alvalade. Apupos, insultos, contestação. Não à equipa de arbitragem, como recomendado pelo próprio, mas a si e a alguns postos chave na estrutura directiva. Como dizia bastas vezes o meu Tenente na tropa, “cada um tem o que merece”.

Cogitei escrever umas linhas, curtas que fossem, sobre os rapazes sem nome, que de um momento para o outro saltaram para a ribalta. E não pelos melhores motivos. Para estupefacção de um País, cerca de três dezenas dos principais elementos de uma claque dos encarnados foram alvo de uma rusga policial, com detenções à mistura. Nada de novo, para alguns conhecedores do mundo subterrâneo das principais claques lusas, mas deixando atónitos os crentes na comunicação social. Ciclicamente, as parangonas nos jornais e as aberturas dos noticiários televisivos eram feitos com notícias sobre as hordas vindas de Norte, caracterizados como os novos bárbaros dos tempos modernos. Moçoilos sem cultura, ávidos de radicalismo, criando o caos por onde passavam.Fazendo fé em algum jornalismo que nos tentam impingir, esta legião pretoriana, comungando da fé do Dragão, mereceria ser erradicada. E, neste mundo maniqueísta criado por alguns, os outros eram autênticos meninos do coro. Só lhes faltava a auréola. Mesmo que incendiassem sedes rivais, atirassem very-lights, espancassem incautos espectadores ou ateassem chamas a autocarros. A redoma que lhes colocavam funcionava como um escudo protector. Até agora. E o País despertou para uma nova realidade. Os bárbaros vivem na capital.

Estão armados, numa panóplia assustadora de material de guerra [o pormenor do logotipo encarnado nos tacos de basebol é elucidativo], vivendo num limbo à margem da lei. Faltou apenas responder a uma pergunta. Singela. Como é que uma claque não legalizada tem espaços cedidos no estádio do clube que veneram?

A "mui nobre" Instituição de utilidade pública domiciliada na Luz voltou a mostrar que é verdadeiramente diferente. Bastou uma notícia. Apenas uma. E o veto de quem tem tiques ditatoriais, incapaz de perceber como funciona uma democracia, não tardou. A agência Lusa ficou impedida de frequentar as instalações desportivas do clube da águia. O crime? A revelação dos prémios avultados recebidos pelos administradores da SAD encarnada, numa época em que terminaram em 4º lugar. Fosse em paragens mais a Norte e caia o Carmo e a Trindade. Assim, os opinadores de pacotilha, sempre lestos a destravarem a língua quando o assunto mete as cores azul e branca, ficaram coincidentemente silenciosos. Um silêncio ensurdecedor, envergonhado, mas que não espanta quando as figurinhas em questão não sabem o código deontológico da própria profissão. E não será nesta idade que Cartaxanas e afins aprenderão. Resta-lhes o desconsolo de verem o Benfica a trilhar, por sistema, caminhos pouco recomendáveis...

E, no meio desta minha desinspiração, dei por mim a recordar uma sábia lição. Sempre soube fazer bem a minha auto-avaliação. E confesso que convivo mal com opiniões diferentes da minha. Vivendo neste Mundo de adepto do futebol indígena quase há três décadas, ganhei aquela espécie de arrogância que me faz achar que tenho uma opinião sapiente. Como em relação a Hulk. Não fujo à caracterização da maior parte do adepto comum. Gosto de nomes sonantes. E quando Pinto da Costa resolveu dizer publicamente, na pré-temporada, que os adeptos teriam uma grande surpresa, sonhei. Com avançados mortíferos. Implacáveis. Cujo menção do nome provocasse uma onda de terror nos adeptos adversários. Quando, num belo dia, sai a notícia de que tinha aterrado na Invicta um brasileiro, proveniente do exótico Japão, fiquei em estado comatoso, durante largos minutos. Blasfemei. Gritei impropérios. Teci comentários pouco abonatórios. Como dizem os brasileiros, “xinguei todo o mundo”.

E, mesmo sem conhecer o jogador, dei por mim a moderar o entusiasmo bruto que tinha.Com o decorrer da época, lá ia lançando as farpas, durante o visionamento dos jogos, qual velho dos Marretas, azedo e mesquinho, colocando rótulos pouco abonatórios ao jogador com nome de super-herói. Semana após semana.Mesmo os pormenores interessantes eram desvalorizados, nesta reacção biliar à sua contratação.

Até ao jogo de Alvalade, para a Taça. E aos minuto 65 da partida. Naquele momento, o brasileiro proveniente do Japão, como eu fazia questão de o caracterizar de forma pejorativa, respondeu-me à letra. Provavelmente, como super-herói que é, possui dons de telepatia. Farto de me ouvir, usou o melhor argumento possível para retrucar. Recebeu um passe, ainda no meio-campo defensivo. Um passe aveludado [lindo.perfeito.simples], convidando a sua corrida. Ele não se fez rogado. Moveu os músculos. Uma massa corporal tremenda, energia em estado puro, veias salientes, correndo desenfreadamente. Rochemback ainda o tentou acompanhar. Num esforço inglório. O que pode um pobre homem, envergando uma ridícula camisola com riscas horizontais, fazer contra uma locomotiva humana, avançando a todo o vapor?

Pergunta retórica, claro, pois a marcha não podia ser travada. Hulk correu. Mais rápido do que o vento. Fiquei impressionado, mas com o subconsciente desvalorizando a cavalgada fantástica. Mas aquela era a noite de Hulk. Num lampejo de maldade, não contente com a humilhação imposta ao opositor que o perseguia, de língua de fora, desferiu um remate. Não um vulgar remate. Para finalizar aquela jogada, tinha que ser um disparo especial. Algo que permitisse a todos que viam e viviam aquele momento, perpetuá-lo na memória, até ao fim dos dias. O pontapé foi apocalíptico. Quase como o disparo de uma arma de destruição maciça. Brutal. Violento. Selvagem. Fazendo de Rui Patrício uma espécie de bobo da corte, qual boneco desarticulado numa peça de marionetas. Hulk atingiu o Olimpo, esse patamar mítico reservado apenas a uns quantos predestinados.Eu gritei. De alegria. Felicidade. Sonoramente.

Mas a minha efusividade levou com um balde de água fria. “Não era deste que falavas mal, em todos os jogos?”, perguntou candidamente a minha esposa.Sentei-me, caladinho. Penitenciando-me. E aprendi uma lição. Das grandes. “Nunca julgues um livro pela capa”, é outro provérbio chinês…

ps: publicado oroginalmente no Bibo Porto

1 comentário:

Sérgio de Oliveira disse...

Paulo :


Mais um texto de "marca registada".
Parabéns !




Um abraço