26 de maio de 2007

Reencontro com a história



"Inesquecível, …mas não digam irrepetível”. O mote tinha sido dado no final da época anterior, com a conquista da UEFA. Mourinho tentava mostrar que, se tinha sido um feito fantástico conquistar uma competição europeia, o Porto, e fundamentalmente os seus adeptos, não deveriam ficar saciados com isso. Deveriam almejar mais. E a época 2003/04 encarregou-se de provar quão sábias eram as palavras dele. Eu, que tinha vivido uma epopeia, a realização de um sonho, em Sevilha, estava longe ainda de imaginar que sofreria novo desfalque na conta bancária. Foi uma caminhada difícil. A fase de grupos, iniciada com uma igualdade fora, com o Partizan, teve, logo de seguida, uma derrota caseira com o Real Madrid. O Porto chegava à 3ª jornada com a necessidade imperiosa de vencer ou, pelo menos, não perder, na deslocação a Marselha. Curiosamente, os destinos de Mourinho viriam a cruzar-se, mais tarde, com uma estrela emergente que despontava na equipa francesa: Drogba. Julgo que foi aí, nesse jogo, que o Porto deu o 1º sinal de que seria possível ombrear com os tubarões europeus, na conquista do principal ceptro de clubes. Lesão grave de César Peixoto, reviravolta no resultado e uma vitória saborosa e de enorme importância. Os dois jogos seguintes, ambos ainda no mítico Estádio das Antas, foram vencidos, contra o mesmo Marselha e o Partizan, carimbando desde logo o passaporte para os oitavos de final. O último jogo, em Madrid, serviu apenas para comprovar que o Dragão se tinha tornado num caso sério a nível futebolístico. Empate no reduto madrileno e 2º lugar no grupo.

Oitavos de final. Reencontro com Alex Ferguson, depois do Porto ter eliminado, em 1984, os escoceses do Aberdeen, nas meias da Taça das Taças. Jogo épico no Estádio do Dragão, com os 2 golos de McCarthy a colorirem uma das melhores exibições que aquele Estádio já assistiu. Resultado escasso, para tantas oportunidades, mas a certeza inabalável que, apesar da escassez do 2-1, o Porto tinha armas para disputar a eliminatória até ao fim. E foi isso mesmo que fez. Num daqueles ambientes típicos de Inglaterra, com cânticos fervorosos, o Porto chegou aos 89’ a perder por 1-0, resultado que cerceava o sonho de chegar mais longe. E eu em casa, descrente, frustrado, amaldiçoando a sorte. Até que…
Era isto o Porto de Mourinho. Fé. Mística. A capacidade de tornar os sonhos em realidade. Livre marcado de forma raivosa, com poder de explosão, pelo sul-africano que ambicionava jogar naqueles palcos. Defesa incompleta de Tim Howard, e Costinha a aparecer, de forma felina, empatando e proporcionando um momento de pura loucura. No Estádio. Em minha casa. Em qualquer cantinho deste imenso Planeta, onde existisse um portista. Estavamos nos quartos-de-final, por direito próprio.

Cliente seguinte, Lyon. E que bela equipa esta a que defrontamos. Para mim, o adversário mais difícil na caminhada até Gelsenkirchen. Jogo táctico no Dragão, com dois golos cirurgícos, num jogo de raras oportunidades de golo. A codícia de Deco e o domínio aéreo e imperial de Ricardo Carvalho deram ao Porto uma vantagem confortável para a 2ª mão. Se dúvidas houvesse quanto ao nosso apuramento, foram dissipadas aos 3 minutos de jogo, com um golaço de Maniche. Apesar da reacção do crónico campeão francês, o Porto saiu da partida com uma igualdade a duas bolas. Exultante, eu fazia contas ao adversário das meias-finais. O Milão, acreditava eu. Estava profundamente errado. Os azuis e brancos da Corunha não estavam de acordo. Aviaram os italianos por 4-0 e prepararam-se para receber os vizinhos do Norte de Portugal.

Nas meias-finais, o momento que importa reter. Corunha. 2ª mão. Eliminatória sem golos até ao momento. O mágico resolve fazer um slalom, por entre os adversários. Cheio de elegância, passa por um. Contorna o segundo. Engana o terceiro. É derrubado. Grande penalidade. O momento chave da partida. E quem é que conseguia estar quieto em casa? Nem sentado, nem em pé, nada acalmava este coração sofredor que, apesar de ser ateu, rezava preces a todos os Deuses conhecidos. Derlei, regressado de uma lesão gravíssima, parte resoluto para a bola. Suores frios. Pulsações assustadoramente arrítmicas. GOLOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOOO. Final, estávamos na Final. Mais um sonho que se tornava realidade. Vêem agora porque é que eu idolatro Mourinho?

Contas feitas e cerca de 800 € a serem precisos para embarcar em direcção ao meu destino. E o meu pai, que me perguntava do outro lado do telefone: “É caro, Paulo. Não vais, pois não?”. Mas acham que perderia uma final do Porto por dinheiro algum? 2500 klm depois, lá estava eu, em Gelsenkirchen, maravilhado com a arquitectura teotónica, passeando por uma cidade preparada para a festa. E que diferença na organização do jogo, para quem foi a Sevilha. Autocarros disponibilizados aos adeptos, para visitarem os principais pontos turísticos, com guias a servirem de cicerones. Amplas áreas verdes em redor do Estádio, onde não faltavam os tradicionais grupos de música, com sardinhas e vinho à mistura. Estranhamente calmo, para quem, um ano antes, em Sevilha, tinha estado várias vezes à beira do colapso nervoso, ansiava pelo momento em que Jorge Costa ergueria a Taça dos Campeões, 17 anos depois de Viena. Sim, porque nem me passava pela cabeça que o Porto não vencesse o Mónaco. Sim, os aburguesados franceses tinham eliminado o Real Madrid. E o Chelsea. Mas isso não assustava ninguém.

E o jogo que não havia meio de mostrar a superioridade portista. E o Giuly, que aparece isolado, logo no início. E o Baía, dando mais uma bofetada de luva branca nos seus detractores, resolvendo a situação. E o grito, que ansiava por sair, reprimido na garganta, minuto após minuto. Até que, numa aparentemente inofensiva jogada, a bola sobra para Carlos Alberto. E o puto brasileiro, num remate acrobático, deu expressão ao sonho de tantos. Perpetuou o nome na história do Porto. A bola que se anichava nas redes, o grito que finalmente, livre de amarras, se soltava. E os cânticos que se arranjavam, cumplicemente, nas bancadas: “somos nós, somos nós, os Campeões da Europa somos nós”. Sim, não passava na cabeça de ninguém que a Taça não viesse até Portugal. O resto da história já vocês sabem. Deco e Alenichev não deixaram que o nervosismo se instalasse, resolvendo o jogo antes dos 20 minutos finais. E assim, a festa começou cedo, não moldada no sofrimento de Sevilha, mas na crença de que assistíamos à consagração de uma GRANDE equipa. E de um EXCELENTE treinador. Tudo fruto de um FANTÁSTICO presidente. Capítulo encerrado. Mas, parafraseando Mourinho, “foram dois anos inesquecíveis, mas não irrepetíveis”. Havemos de voltar ao Olimpo, esse lugar mítico onde habitam apenas as Lendas do Futebol.

2 comentários:

Anónimo disse...

Paulo, e como foi mágico esse dia. Depois de Sevilha, uma cidade alemã de nome dificil de pronunciar. Campeões Europeus 17 anos depois. Só tive pena que Mourinho resolvesse amuar, não comemorando com quem sempre o apoiou. Por causa disso, nunca mais levanta uma Taça destas...lol...

Anónimo disse...

E é esse o nosso lugar por direito. Esse Olimpo de que falas. Somos os mais galardoados a nível nacional. É bom estar numa final e vamos estar em outras, estou certo. Brevemente vamos comemorar novas conquistas.
Parabéns pelo blog...