21 de maio de 2007

O dia em que vencemos Deus!

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Quatro anos? Já passaram quatro anos? A marcha inexorável do tempo não perdoa. Mas, apesar dos anos, as imagens ficaram, gravadas de forma indelével. 21 de Maio de 2003. Uma data que entrou para a história do futebol português, em geral, e do Porto, em particular. Nesse dia, tórrido por sinal, o Porto ergueu, nos céus de Sevilha, a 1ª TAÇA UEFA conquistada por um clube português.
Engraçado como cerca de 1500 dias depois, as memórias fluem naturalmente. Tinha prometido a mim mesmo, no final da emocionante final com o Bayern, no longínquo ano de 1987, que estaria presente na próxima final em que o Porto participasse. Desse por onde desse. Cumpri a promessa. Bilhete para o jogo + avião=750 €. Há quem considere um absurdo. Não sabem do que falam. Pagava o dobro. Ou o triplo. É um dia que está gravado, que nunca esquecerei. Às vezes, dou lá uma saltada. Só para minha diversão. Vou aquele cantinho no meu cérebro, onde guardo as memórias desportivas, e delicio-me. É um luxo ver à distância, na terceira pessoa:
“Dormi mal. Sono penoso, a ansiedade que me tolhia o estômago, a cabeça que criava, sem cessar, mil cenários catastróficos. Levantei-me às 5 da manhã. Com dificuldade, lá consegui comer alguma coisa. O nó que me tolhia a garganta não dava mostras de abrandar. Viagem até ao aeroporto, no meio de uma noite que dava lugar ao dia. Fantasmagórica paisagem. Sem carros, como se eu acelerasse num sonho. Não se via vivalma nas ruas. Chegada ao terminal e primeiro impacto. Milhares de pessoas, emprestando um colorido único à paisagem urbana. As amadas cores azul e branca, orgulhosamente trajadas. Uma atmosfera que fez disparar os níveis de adrenalina. Lembro de pensar, na altura: porra, com este apoio não podemos perder!. Check in despachado, viagem de avião sem sobressaltos e o segundo impacto, ao aterrar em Sevilha. Se alguém empunhasse um cartaz, a dizer BEM VINDOS AO INFERNO, era apropriado. 9 da manhã e um calor d-i-a-b-ó-l-i-c-o! Embarque no autocarro, curta viagem até ao centro de Sevilha e terceiro impacto. A cidade tinha sido, literalmente, invadida pela Escócia. Meu Deus, são milhares e milhares e milhares e milhares. No meio do verde e branco, pequenas manchas de adeptos portistas. E o calor, que não abrandava. De calções, só, e transpirava abundantemente. Resolvi conhecer a cidade. Entrei num táxi, negociei o preço num espanhol que faria Cervantes dar voltas ao túmulo e fui ver as vistas. Impressionante a Giralda, a Catedral que é um dos orgulhos da cidade. Ao meio-dia desisti. Era impossível estar tanto calor. Mas estava! Refugiei-me num pequeno restaurante. Uma mesa vazia, qual oásis convidativo, no meio de uma enchente de escoceses. Peito insuflado de ar, avancei destemido, sentindo-me um qualquer cowboy a entrar num saloon cheio de malfeitores. Não havia lugar a receios. Mal me sentei, fui presenteado com uma caneca de cerveja. Um escocês calvo, rubicundo, de rosto alegre, dava o exemplo de sã convivência que deve imperar no desporto (excepto com os benfiquistas, claro). Hi, mate, how are you?. E pronto. Um pedaço bem passado. Perguntas sobre o Algarve, as mulheres portuguesas e uma certa inveja que me assolou. O grupo que acompanhava o escocês (o nome ficou perdido algures) estava à 4 dias em Sevilha. Próximo destino, com permanência de uma semana: Algarve. Capacidade financeira que goleava a minha! 2 da tarde. Era possível que o tempo aquecesse ainda mais? Sim, era. Destino seguinte: El Corte Inglês e um abençoado ar condicionado. Às 4, autocarro para a Ilha Cartuja e para o Estádio. Finalmente, quarto impacto. Milhares de portistas, numa fila imensa, aguardando a hora de entrada no Estádio. Merchandising comprado, fila integrada e um olhar aterrado para o termómetro que, altaneiro, gozava com os comuns mortais: 45 graus!!!!
Na fila, uns lugares à frente, Nuno Marçal, mostrando a sua costela de Dragão. Lá dentro, no bar, bem à minha frente, Rudolfo Reis, distribuindo sorrisos. Abasteci-me de água (a minha salvação, estou certo) e entrei. Animação a rodos. Participei na festa. Esqueci o calor, o cansaço que teimava em aparecer e gritei. Pelo Porto. A ansiedade aumentava. Faltava pouco. Entraram as Las ketchup, cantando o hit da moda, o Asereje. Corpos suados, dançando nas bancadas, numa manifestação de alegria incontida. Finalmente, chegou a hora. A bola começou a rolar. E o que interessa reter são os golos. Lembro-me do 1º, quase no final da 1ª parte, dominada por inteiro pelo Porto. Um cruzamento largo, um remate do Mágico, a defesa incompleta e o Ninja (o verdadeiro, não a réplica que joga no Benfica) a empurrar para o fundo das redes. Berrei desalmadamente. Estava feito, pensava eu, o mais difícil. Agora a música ia ser outra. E foi. Logo no início da 2ª parte, primeiro remate dos escoceses e o golo do empate. O King of the Kings, como lhe chamavam os escoceses. Henrik Larsson himself. Balde de água fria, no sentido figurado. 10 minutos depois, Deco, com um passe magistral, isola Alenichev. Levantei-me, rezando: não falhes, não falhes. O russo fez-me a vontade. Senti uma alegria imensa a invadir-me. Participei na loucura colectiva que se instalou nas bancadas. Sol de pouca dura, também em sentido figurado. Porra, já vos falei que estava calor? Um minuto depois, cirúrgico, letal, um sueco mais moreno do que o habitual, incendiou a imensa falange de apoio dos católicos escoceses. 2ª remate, 2ª golo. Mais do que o azar ou sorte, pensei que uma qualquer conjugação cósmica nos fosse tirar a vitória. Depois, assustado, lembrei-me de algo: eles são os católicos, lutam insanamente contra os protestantes do Rangers, devem estar protegidos por Deus. Ora bolas, com um apoio destes não temos hipóteses. Prolongamento, eu exaurido de fome, sede e um cansaço que pesava toneladas. A imagem que retive do prolongamento, faltavam 5 minutos para os penaltys. Um passe para o Marco Ferreira (não aquele que se arrasta no Benfica), a saída temerária do guarda-redes do Celtic, a bola que sobra para Derlei e eu a gritar golo, antes de ele ter chutado. Juro. Histericamente, gritei, abracei desconhecidos, chorei de alegria. Sim, chorei. Foram os 5 minutos mais penosos da minha existência. Longos, parecendo que o ponteiro do relógio se divertia com o sofrimento alheio, arrastando-se eternamente. O coração que batia descompassadamente, o medo de novo empate, os pensamentos mais absurdos que afluíam à cabeça e o apito. Estridente. Um som agudo. O som mais belo do Mundo. Acabou. Olhei para o céu. Vencemos Deus. Se fosse uma cruzada, os católicos tinham perdido. O resto…uma imensa alegria. Foram 27 sem dormir, 14 horas sem comer, desde aquele almoço rodeado de escoceses, mas VALEU A PENA!”


E foi assim. Um dia inesquecível. Mas como Mourinho dizia, “inesquecível, mas não irrepetível”. E eu, longe de saber que um ano depois, embarcava para Gelsenkirchen…

5 comentários:

Anónimo disse...

Uau, foste um dos sortudos k foi a Sevilha. Eu acompanhei pela TV e, sempre k penso no jogo, fico arrepiado. Bela final, cheia de emoção. O texto tá fantástico, parabéns. Nem me recordava k foi a 21 de Maio.

Bruno Pinto disse...

Paulo, maravilhoso texto, ser portista é isto mesmo, é guardar para sempre estas vitórias e emocionarmo-nos cada vez que "lá voltamos". Também estive em Sevilha, foi o jogo da minha vida. O ambiente, o calor, o convívio com o mar de escoceses, o jogo assustadoramente empolgante, meu deus, que dia inesquecível! A final de Gelsenkirchen vi na TV, mas penso que mesmo que tivesse estado lá ao vivo, nunca igualaria Sevilha. Embora a Champions seja mais importante que a UEFA, Sevilha teve mais encanto não sei porquê, foi o meu auge como portista. Aquele último golo do Derlei... custa-me vê-lo no Benfica!

BRUNO ROCHA disse...

Amigo Paulo...Só uma palavra Fabuloso...Não aquele que marca Golos pelo Sevilha...Grande Epopeia esta descrita por ti e por si só capaz de me fazer recordar algo que depois de Viena não pensei viver outra vez..Não estive em Sevilha mas fui um dos malucos que entrou num carro e após o jogo só parou no Mitico Estádio das Antas a espera desses Herois que venceram Deus..Foi ate de Manhã.

Anónimo disse...

Grande texto. Só compreensível para quem ama o Porto. Grande Final essa, com uma emoção inexplicável. E aquele golo no prolongamento e, como dizes, os ponteiros do relógio que teimavam em não avançar. Nunca me esquecerei desse jogo.

Anónimo disse...

Foi um dia espectaular e a unica pena que fiquei foi de não ter ido ver o jogo ao vivo, não consegui bilhete. Um jogo empolgante, emocionante e vibrante qb. Aqule Larsson que ainda vai passeando classe por onde passa a tormentar-nos o juizo, um raio dum talde de Balde (o gajo tinha nome de trolha) que atrás na defesa do lado direito só dava porrada. Mas a garra e a ambição qu a nossa equipa e nós portistas sempre tivémos levou-nos ao sucesso merecido, tal como agora com este campeonato.

Biba o Porto e mais nada.